ZÉ E O MUNDO

Posted by : DANIEL MORAES | 10 janeiro, 2009 | Published in

“Que importa minha piedade? Não é a piedade em que se crava aquele que ama os homens? Minha piedade não é crucificação” (Nietzsche – Assim Falava Zaratustra).

Era uma vez um Zé, oriundo da cidade de Algures. Vamos defini-lo como certo indivíduo que queria saber o que é liberdade. Durante muito tempo de sua vida, as questões transcendentais não lhe apoquentavam a cabeça. Por determinada época, tudo lhe cabia e cabia-se em tudo.

A materialidade das coisas encantara-lhe. Por muitas Eras não questionava o sentido das coisas, por que todas as coisas faziam-lhe sentido. Era o mais popular de toda a turma. Sua beleza Narcísea era encantadora... Seu corpo moreno e bem delineado chamava a atenção, e confessava vez ou outra que sentia certo prazer ao vê o mulheril mordiscar os lábios enquanto passava. Era culto e inteligente; sabia coisas sobre céu, terra, água e o ar... Sabia cada vírgula da filosofia anárquica de Nietzsche. Sempre quando havia oportunidade, bradava: “todo homem é a sua própria prisão e esconderijo(salve esse filósofo Alemão maluco!). Piadista, tinha sempre a piada certa para o momento certo. Possuía a família dos sonhos! Pai, mãe, filho, vô, cachorro, papagaio, empregada... Tudo aquilo que qualquer homo sapiens desejaria. Enfim, era um modelo modelar, o Ser por seguir.

Um belo dia, não contente com o que tinha, exclamou: “Poooooooorrrrrrrrrrrrraaaaaaaaa!!!!!!!!!!!! Como sou infeliz! Tenho tudo e nada! Quero liberdade e carregar o mundo nas costas mas ele não deixa!”. Esse grito ecoou e chamou a atenção logo de quem? Do próprio Mundo. À noite, sem que Zé notasse, Mundo foi a sua casa e ao vê-lo dormindo, analisou-o; verificou suas cicatrizes, percebeu o rastro deixado pela lágrima solitária que cairá sorrateiramente entre o terceiro e quarto sonho (Zé adorava sonhar que era Hícaro, porque achava bela a mitologia de voar sem ter asas).

Pela manhã, ao se vestir para o trabalho (detestável, diga-se de passagem) viu sobre a escrivaninha um bilhete com os dizeres: “Menino, não queira carregar-me, pois sou pesado e grande demais pra você! Quer saber o que é liberdade? Vá procurá-la!”. Desatinado, foi trabalhar. Passou o dia aéreo, sem saber o que pensar a não ser, o fato de o Mundo ter ido visita-lhe à surdina.

Chegando em casa, foi atrás do significado da liberdade. Enquanto procurava no dicionário, lembrou que liberdade tinha haver com música (o quê que eu vou fazer com essa tal liberdade, se estou na solidão pensando em você...), e, por conseguinte, rememorou seus amores. Ainda possuía a ilusão de que seria o cavalheiro alado que salvaria a donzela em perigo. Seus amores eram imperfeitos e ele refletia: “porque não encontro ninguém a minha altura?” Mas que altura é essa? Tamanho, peso, beleza, intelecto?

Ainda debruçado sobre o dicionário e inda lembrando-se de música (liberdade, liberdade abre as asas sobre nós...), pensou nos amigos de Partido. Seria essa uma questão de ideologia? (eu vou pagar a conta do analista, pra nunca mais saber que eu sou...). Ponderou que também é nome de um bairro em São Paulo, Roraima, Manaus, Sergipe... Por fim, achou o que significa liberdade: “estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral. Poder de exercer livremente a sua vontade. Condição do ser que não vive em cativeiro. Independência, autonomia. Ousadia. Permissão”.

Satisfeito com o que descobriu, escreveu ao mundo: Ô Mundo, é o seguinte: Ninguém é livre! Estamos presos seja ao sistema capitalista, familiares, padrões societários – muitos estão presos em penitenciárias – a amores, ódios, guerras, Deus, Diabo, santos, profetas, promessas, trabalho, princípios de idéias, vícios, sexo, enfim... Com todo respeito, vai pra casa do caralho, e se não for pra ser meu, me deixa dormir em paz!

De madrugada, o Mundo foi até Zé. Ao ler o bilhete, tocou-lhe os ombros, fazendo acordar. Zé levantou e deu de cara com o Mundo. Percebeu sua magnitude, beleza, envergadura e poder... Ficou com os olhos ofuscados, pois do mundo emanava verdades, verdades essas que até então Zé não viu. O Mundo então lhe disse: quer saber o que é ser livre? Pois bem, lhe direi! Liberdade é nada mais, nada menos que a forma como encaras a vida. Liberdade é permitir-se!

Ouse, e viva sem medo, encare as coisas de peito aberto, com altivez, sabedoria e terás liberdade. Esconda-se, refugiem-se em si mesmo, e morra em trevas. Quem escreve nossos destinos somos nós. Deus é o melhor e maior de todos os dramaturgos, pois escreve uma introdutória e nos deixa dar o desenvolvimento e o final que queremos, vindo Este só dá o ponto final.

Liberdade não é coletiva nem tem fórmula certa, é individual e cada um possui um jeito de encontrá-la.

Sofrimento não é privilégio unicamente seu. Quer moleza de mim? Está lascado meu amigo! Eu sou cruel e difícil, e para me ter é necessário ter coragem! Tenha coragem e me comerá com uma colher. Fraqueje, e eu te frito em óleo de camelo.

Ao ouvir o Mundo, Zé ficou sem ação. Tentou argumentar, mas a essa altura Nietzsche, Platão, Buda, Marx, Freud, Ainsten, Homero, Sartre, Dostoievski, Kardec, Confúcio, Dalai Lama, Maomé, Paulo Coelho ou qualquer outro filósofo não contra-argumentaria o Mundo. Então, disse: “ok Mundo, você venceu! Agora vai embora que eu quero voar sem ter asas”.

Percebendo o pouco interesse de Zé por suas palavras, Mundo foi embora e nunca mais foi encontra-se com aquele homem que era bonito, inteligente, culto, de boa família, porém, sem caminho.

O tempo passou e Zé casou-se novamente, sendo pai novamente (uma menina). Arranjou novo emprego, que novamente lhe entediara. Envelheceu, aposentou por tempo de serviço, comprou uma casa na praia, teve netos, mas nunca entendeu o significado do Mundo. Continuou sem saber o que é ser livre.

Quanto ao Mundo? Bem... Esse continuou a girar, pois ele sempre faz isso. Nunca pára para que possamos entendê-lo, afinal, não é culpa dele se sempre estamos disposto a carregá-lo, mesmo sabendo que ele pesa demais.

(6) Comments

  1. Paula Barros said...

    Daniel, meu sentimento é de perplexidade. Isso não pode ser chamado de filosofia de botequim. rsrsr

    Viver poderia ser mais simples, se apenas vivessemos. Mas estamos sempre querendo entender.

    Gostei muito, muito mesmo.

    abraços

    11 de janeiro de 2009 às 11:27
  2. Alessandra Castro said...

    Gostey do texto e muito me indentifikei. Nós humanos, sempre complicando as coisas.

    12 de janeiro de 2009 às 20:49
  3. Cida said...

    Falou o Blogueiro Pensador ! (ou o Pensador Blogueiro?). Um feliz 2009para você! Quanto a incessante busca do homem pela compreensão da liberdade, acho que essa não é a pior parte. Mais difícil do que entender o que é a liberdade é saber o que fazer dela quando é alcançada. E conseguir mantê-la. Beijos.

    13 de janeiro de 2009 às 15:40
  4. A Itinerante - Neiva said...

    Daniel,

    Fui mais ou menos como o Zé. Busquei, busquei, busquei... Ao fim, desisti de entender tudo ou qualquer coisa e passei a me limitar a viver da melhor forma que me fosse possível.

    E não é que passei a me sentir mais livre que jamais fui??? :DD

    A busca era mnha prisão.

    Maravilhoso texto. Parabéns.

    Beijos

    13 de janeiro de 2009 às 18:51
  5. Marcela said...

    'Quem escreve nossos destinos somos nós. ' Eu acredito fielmente nisso e estou disposta todos os dias a ter consciencia disso e se for pra me queixar do rumo que tomou minha vida, queixar-me para mim mesma! O mundo é consequência..
    baci, adorei o texto!

    13 de janeiro de 2009 às 19:22
  6. Marcela said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    13 de janeiro de 2009 às 19:22