INCLUSÃO SOCIAL E VALÉRIA DE OLIVEIRA

Posted by : DANIEL MORAES | 15 março, 2009 | Published in

A semana que passou foi marcada pelo projeto de postagem coletiva sobre a Inclusão Social. Muitos blogueiros amigos participaram desta iniciativa, discorrendo sobre a necessidade de termos uma sociedade mais justa e igualitária. Contudo, muitas das vezes não temos o discernimento necessário para saber do que realmente se trata tal “inclusão”.

Vivemos em uma sociedade capitalista, onde cada vez mais o rico fica milionário e o pobre flagelado. Nas grandes cidades há um contingente enorme de “pessoas marginalizadas”, vítima desse modelo segregador neo-liberal. Nossas atitudes são baseadas em consumismo, e passamos a ter uma visão egoísta da vida, esquecendo de ajudar o mais necessitado.

O Só Pensando entra neste debate (atrasado, é bem verdade!) e põe a tona este debate, que será repercutido nesta semana. E é uma grande honra para mim, ter como exemplo de inclusão ela que muitas vezes afirmo ser “eu de saias”, minha querida parceira/amiga blogal
Valéria de Oliveira. Essa paulistana de 25 anos de idade, irmã trigêmea, possui uma verdadeira “lição de vida”. Sua mãe biológica, por não ter condições de criá-las, entregou-as a uma tia. Daí pra frente, Valéria e suas irmãs vivem uma “verdadeira saga”, onde o pano de fundo é força motriz é o amor que a mesma encontrou ao lado de dona Dora, a quem considera sua mãe. Valéria é o exemplo clássico de que o amor pode transformar a vida de uma pessoa, e é baseado na vida da Val, que irei aqui pôr em debate na quarta e sexta-feira algumas questões. Segue texto de autoria de Valéria, uma mini-biografia de uma verdadeira guerreira.

''A minha história tem significado de experiência acumulada antes de um tempo comum, uma bagagem a mais, que me fez ser o que hoje sou''.

Meu nome é Valéria de Oliveira, nascida na capital de São Paulo em 01/03/1984 e junto comigo mais duas Viviane de Oliveira e Vanessa de Oliveira. Somos trigêmeas.

Não conheço a real origem (local de nascimento...) de meus familiares de conta sanguínea.
Conheço pouca coisa sobre a história de minha mãe biológica, Vera Lúcia de Oliveira, e me lembro de raros momentos com ela. Tenho quase apagada a lembrança de sua voz ao telefone perguntando se queríamos ir embora com ela.
Fomos entregues por ela quando bebes a uma família, ou melhor, a tia dela que é a irmã de nossa avó materna. Minha mãe não tinha condições de nos criar e também nem onde ficar com a gente. Passamos a viver com esta tia e sua família – seus três filhos e o tio (o marido).

Vera Lúcia, na época já tinha duas filhas meninas, anos mais velhas que a gente, nossas irmãs (Érika e Flávia).Da parte de meu pai não tivemos noticias, até os 15 anos.A minha infância e a de minhas irmãs gêmeas, foi bastante turbulenta, conturbada e com diversas mudanças.

Em 1987, fomos separadas por curto tempo. Cada uma com uma família, mas estávamos próximas, porque estas famílias faziam parte da família do meu tio (casado com a tia de minha mãe biológica). Eu fiquei com uma das irmãs deste tio, dona Dora, onde conheci o amor, o carinho e o limite por conta da mãe maravilhosa que tive.

Na casa onde fiquei neste tempo (Dora) me queriam como filha. Minhas irmãs também tinham pessoas que as queriam muito bem. Mas a tia de minha mãe jamais autorizou, ela tinha em suas mãos a guarda das três e consigo a crença que não podia separar irmãs gêmeas. Contudo, todas as famílias que nos queriam, já tinham suas razões de estarem pegando amor por cada uma de nós. Depois de alguns anos, fomos para um colégio interno. Eu era muito pequena e me lembro de poucas coisas, as visitas eram aos domingos...

...Não me lembro quanto tempo ficamos, acho que um ano ou um pouco mais, e saímos devido a uma lei do presidente Collor, que não autorizava quem tinha ‘’família’’ ficar em colégio interno.

O tempo passou, ainda morando em São Paulo aos 7 anos de idade, cursávamos a primeira série.
Com 8 anos fomos morar em Peruíbe. Começamos a cursar a 2O série, fizemos outros amigos de escola e era tudo novidade pra gente. Tudo muito diferente de São Paulo. A novidade era a praia...

Fiquei triste em saber que ficaria longe da casa onde eu tinha de tudo e o fundamental: amor, carinho e o direito de ser criança. Eu senti e a família sentiu muito também na época. Minha mãe já tinha sua primeira neta e ela me adorava. Apesar de tudo ser diferente, de eu achar que estava perdendo meu espaço. Ainda existia amor entre a gente. O principal e incondicional era o de minha mãe. Eu realmente a chamava carinhosamente de mãe. E foi ela que me ensinou o valor do amor. Ela teve muita paciência comigo.

E o tempo foi passando e passando...
Em Peruíbe haviam projetos bem legais nas escolas, como a banda municipal para estudos musicais, ficávamos no Nippe, outra escola onde as crianças passavam o dia brincando, tínhamos aulas de flauta, haviam excursões...

Hoje tenho a certeza absoluta que criança precisa de amor, de compreensão, de orientação para se tornar no mínimo um ser humano melhor, sem tantos complexos ou inseguranças. Hoje eu entendo.

Na maioria das vezes, em cada caminhada me faltou isto e muito mais a minhas irmãs. Eu sempre ia muito bem na escola, passei para 3º serie, minha irmã Vanessa repetiu a 3º, passei para 4º , a Vanessa passou para terceira, contudo a Viviane repetiu de ano. Nesta época eu fazia questão de ser no mínimo estudiosa e nas férias sempre ia com meu tio para São Paulo na casa de minha querida mãe, enquanto minhas irmãs ficavam.

Com 9 anos de idade tivemos a noticia que nossa mãe biológica havia falecido. Não fomos ao enterro. Choramos juntas neste dia, mas na verdade eu nem sabia o significado daquelas lagrimas. Chorar por um arquétipo materno talvez foi a razão daquilo e não entendia. Perder a imagem da mãe, o único ser que existia até então na nossa história como segurança. A imagem da mãe é um símbolo fundamental pra uma criança.
Com 11 anos de idade, meio do ano, as coisas não andavam bem em casa. Minhas irmãs estavam dando muito problema também... Foi quando no mês de Julho, soubemos que iríamos para um orfanato em Itapecerica da Serra.

Inventaram sonhos e imensos castelos pra nós três. E que crianças não acreditam em castelos?

Mas no fundo desacreditei. Talvez por nunca ter sido criança de verdade neste sentido. Chegou então, o dia de irmos embora pra um lugar que eu não sabia como era e como iria ser. Fiquei assustada. Nossas coisas arrumadas, eu jogando meu futuro sonho do outro lado do muro (num terreno baldio) -meu caderno de música- porque eu não sabia o valor da partitura neste tempo.

Lembro-me, era final de tarde e caminhamos a ‘’Chácara dos sonhos’’- ou inferno como diria hoje- depois de perder quase o dia no fórum, resolvendo as papeladas.
Quando chegamos não consegui sair do carro. Todo mundo saiu e eu fiquei no carro com meu tio. Eu senti a tristeza nos olhos dele. Mas não sei o que ele poderia ter feito. Ele morava em São Paulo, era irmão da minha querida mãe Dora e a tia (de minha mãe biológica) moravam em Peruíbe, eles estavam em crise no relacionamento...

Observei o semblante de cada criança que ali nos olhava com um ar de curiosidade, reparei em tudo a meu redor e senti um aperto no peito, um nó na garganta e uma terrível sensação de abandono. Olhei para as minhas irmãs e só tive vontade de chorar muito.

O orfanato era uma Chácara, tinha o quarto dos meninos e das meninas, tinha o refeitório, tinha uma piscina e a diretora era a mãezinha. Era de obrigação chama-la desta forma.

Hora de ir e nos deixar... Chorei muito quando eles viraram as costas e sumiram. Senti uma necessidade imensa de acreditar em Deus e pensava que iria sair daquele lugar apenas com 18 anos de idade.
As crianças foram muito amorosas e amigas. Mas eu não conseguia ficar feliz por mais que eu tentasse. Sentia necessidade de proteger minhas irmãs, chorava e só queria ficar sozinha.

Como eu estava adiantada na escola eu cursava a 5O serie de manhã, elas a 4O serie no período da tarde e eu me sentia vazia sem elas por perto.

Depois de um ano e meio neste orfanato, voltamos ao fórum na intenção de resolver a nossa vida, agora com outra família. Tínhamos de 12 para 13 anos.

No solar da mãezinha (orfanato) participei de muitos momentos tristes, compartilhei experiências e as histórias mais tristes apareciam a cada momento. Fomos embora porque nós falamos o que ocorria ali dentro e finalmente:

Fiquei com minha mãe Dora, a Viviane com sua madrinha e a Vanessa quis voltar para casa da tia (de minha mãe biológica) em Peruíbe. Éramos adolescentes, com vontades, de sonhos, de rebeldias, teimosias... Realmente aborrecentes querendo o direito de ser igual a todos.

Tínhamos contato uma com a outra sim, sempre foi assim. A Vanessa estava mais distante, mas sempre trocávamos cartas. Dificuldades e conflitos sempre surgiram ao decorrer do tempo. Havia conflitos dentro de minha cabeça, de minhas razões, de minhas vontades de adolescente e não queria abandonar a minha raiz, o meu sangue, que eram minhas irmãs. Elas estavam dando muitos problemas e eu sofria muito com tudo. Ninguém entendia; 13 anos, 14 anos, 15 anos...Eu continuava na mesma casa enquanto minhas irmãs estavam mudando constantemente de ambiente.

Quando fizemos 15 anos descobrimos o nosso pai biológico por uma pessoa que estava criando a Vanessa. Ele surgiu e nos iludimos com a forte presença do arquétipo paterno, o papai dos sonhos, o herói, o protetor.
Este morava em Carapicuíba com sua família, a madrasta, os filhos (eram 5 filhos) e ele. Pra depois chegar mais 3...

Suportei exatamente um ano naquele ambiente desagradável. Com 16 anos de idade consegui fazer a matricula na escola sem a assinatura dele e minhas irmãs haviam desistido de estudar.

Fiquei exatamente um ano e voltei para a casa de minha mãe Dora. Ela me recebeu de braços abertos como de costume. Minhas irmãs ficaram e apesar de qualquer desentendimento, a gente se ama muito, foi mais uma separação com muito sofrimento. Mas meu livro completo, um dia irá explicar.

Pulando partes e resumindo mais um pouco: Conclui o 2O grau e com 17 anos consegui o primeiro emprego registrada. Minhas irmãs estavam rodando na casa de amigas que eu não conhecia.

Com 18 anos conheci as duas irmãs (Flávia e Erika) que também tinham seus filhos. Ouvi e vivi histórias de um passado que me pertencia e não tinha como fugir daquilo. Sem me esquecer de outro irmão por parte de pai, o Altair, criado por nossa avó paterna.
Com 18 anos, sai de casa por brigar muito com uma das filhas de minha mãe. Fui morar na casa de considerados primos. Sofri muito com mais uma mudança e sabia que este era um sinal forte de adeus, senti que era a ultima vez. Sai da casa no final de Maio e em Junho minha querida mãe Dora faleceu.

Perdi meu chão com este acontecimento, minha leve intuição me sobrou nos ouvidos que a batalha forte começaria ali.

Eu ainda estava morando de favor na casa destas primas, logo depois acabou não dando certo, com quase 19 anos consegui uma casinha e fui morar sozinha. Com 23 anos, trabalhando em uma empresa maior, com salário maior, consegui uma casa melhor, um quarto e cozinha como a outra, mas em melhores condições.

Enquanto isso minhas irmãs, já com filhos seguiam um caminho diferente do meu e pra elas as coisas se tornavam muito mais difíceis.
Graças a Deus nunca fiquei desempregada e com meus trabalhos consigo dinheiro pra pagar as despesas.

Hoje sei que o mundo da arte salva minha vida. Descobri que amo me expressar através da escrita, sou apaixonada por música e estou tentando investir nisto como carreira. Isso realmente salva a minha vida a cada momento, porque despertam os sentidos. Acordar os bons sentidos é preciso, e na arte a gente descobre que isto é possível.

Não existe o mais inteligente ou o mais burro. Existe o interesse em querer aprender, se aprofundar em determinados assuntos que você gosta ou descobre que quer, porque alguma coisa ou pessoa deu a possibilidade de você enxergar outro universo.

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. E se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi.

(6) Comments

  1. Lugirão said...

    Daniel, escelente teu post.

    Comovente a estória de vida dessa garota, como existem muitas por ai, com pequenas mudanças no conteúdo, nem todas com um final feliz, mas muitos com muita garra conseguem mudar o seu destino e serem acima de tudo cidadãos.

    Beijos

    16 de março de 2009 às 20:15
  2. Lugirão said...

    Eita , que a minha opinião está em evidencia, legal....

    16 de março de 2009 às 20:18
  3. Anônimo

    Pois é, uma história real. Até hoje luto por um espaço com dignidade.A inclusão social deve ser espontanea. De acordo com o seguinte post (que não é meu)mas é como se fosse: inclusão social deveria ser a forma pela qual um governo trabalhe que não deixe injustiças serem cometidas. Explicando melhor, todo o povo, sem nenhuma exceção, deveria ter acesso a estudo, emprego, tratamento médico, hospitalização quando necessário. Para isso é que pagamos impostos. Para que o dinheiro dos mesmos sejam revertidos em bens sociais. Se fossem empregados com honestidade, nesses serviços que são obrigação do Estado, nem existiria o termo "inclusão social", porque toda a população, seja lá de que classe for, estaria amparada no básico para a sobrevivência. Como infelizmente até agora, nenhum governo, principalmente o atual, utiliza os impostos para os verdadeiros fins, e se locupleta dele em benefício próprio, a situação fica propícia aos espertalhões da vida, se elegerem prometendo "inclusão social" e os desesperados entram na conversa e não só os elegem mas os defendem até a morte! E o máximo que os espertalhões fazem, quando eleitos, é dar algumas esmolas, que em nada dignificam o cidadão, mas dão a ilusão de que estão sendo incluídos verdadeiramente na sociedade. Espero ter te ajudado. Abraços.

    Daniel, realmente somos parecidos. Temos a mesma vontade de mudanças e nossas veias pulsam como nosso coração. Obigada pelo carinho. O Philip irá postar isto tb. Agora vamos ver...Fique com Deus.

    Espero que este exemplo de vida, não seja visto como a ''vitima ou coitadinha'' porque meu objetivo é acordar os sentidos da humanidade. É dificil admitir, mas somos o reflexo desta sociedade.E o caminho mais dificil de trilhar é o correto. E sendo assim muitos desistem, são os suicidas, tanto faz morrer em um minuto, uma hora ou um dia. Infelizmente.

    Beijooooooooooooooo.......

    16 de março de 2009 às 21:57
  4. Alessandra Castro said...

    De emocionar o texto. Gostey muito mesmo de ter usado um personagem real.

    17 de março de 2009 às 14:56
  5. Jairo Borges said...

    Linda msm a história da Val! e como vemos vai da garra e da força de vontade de de cada um conseguir as coisas que quer na vida! Conhecimento é tudo, quem entra por este caminho ñ sai mais informação é de suma importancia, te contagiaq, e o mais importante, ninguém tira isto de vc!

    Parabenx a vc Daniel, pela brilhante história e a Val e sua superação!

    Sem duvida o melhor texto que li desta onda de inclusão!

    17 de março de 2009 às 19:11
  6. Renata Carvalho Rocha Gómez said...

    inclusao social pulsa na minha veia

    19 de março de 2009 às 01:14